terça-feira, 21 de agosto de 2012


                                   MORIBUNDO - alucinações prévias  
   
                                     I

Em manhã insólita de outono qualquer me encontro em prantos tantos. Véus negros e mantos  serpenteiam canto a canto lúgubres. Vejo vultos por todos os lados com seus rostos desfigurados. A chama da vela dançante me traz alento. Sobrepujando o medo em grito agitado pergunto: “Quem são essas pessoas?” Trôpego, fico calado, num arrepiar friorento,  inerte, paralisado. Vozes em súplicas sussurram meu nome. Aos poucos exaurido me deixo abater escutando ao longe as rezas e as lamúrias.

                                Ii

   Num meio-dia, num outono em lugar qualquer de prantos tantos. Rostos tristes desfigurados e tristeza maior marcada no olhar lívido e sereno de um velho gordo de rosto acanhado. De uma janela com vidraça suja a luz do sol espia timidamente abraçando a pequena cruz acobreada na parede. E por um momento surge um alento (na alma), que perdura pouco tempo ao surgir de névoa negra em corpo que desfalece. Tombando em meio das súplicas, das orações e dos sussurros.


                               III

Em tarde de outono gélido de tantos prantos, estou com o rosto enterrado nas mãos evitando ver os rostos desfigurados de estranhos que me cercam e ficam ao meu lado com olhares chumbados atemorizantes. Quero sair e não consigo, estou paralisado. Procuro avistar o velho gordo de rosto transtornado. Súbito, ele está ao meu lado com o rosto feito de cera e quem eu vejo me emudece. Meu avô morto quarenta anos atrás. Meu pensamento escurece. Atônito, cerro novamente meus olhos e começo a rezar, suplicando em sussurros.

                                
                               IV
Em entardecer de um outono qualquer com os olhos fechados, ouço apenas o tic-tac do relógio de parede da cozinha. Insisto em mantê-los fechados, não quero mais ver as pessoas com seus rostos desfigurados, sequer quero olhar para o lado, já estou alucinado. Estou com medo de ver meu avô a muito tempo sepultado. Nunca senti desconforto igual, quero acordar deste pesadelo. Noto que agora ao meu lado está uma menina sorridente, demais sorridente. Ironiza-me com seu olhar e o que lhe é peculiar, seu rosto parece de cera. Retornam as rezas, as súplicas e os sussurros. Em volta vultos em luzes de velas. Em sombrios murmúrios as preces brandas continuam.
             
                            V
Em angustiante noite de um outono qualquer, estou fraco e cansado, querendo fugir deste lugar onde ninguém comigo fala. Olham-me com pesar, com lamento. Exaurido ergo-me e grito fazendo do clamor um lamento. – “O que aqui está acontecendo? Não compreendo, pareço morrer congelado.” Instante em que na sala de escassa claridade as pessoas de rostos desfigurados devagar se afastam e aparece luz abundante clara, alva e cristalina. Mão estendida divina se faz em figura transcendente de anjo em plena serenidade. Em trocados passos transito, escutando encantadoras preces. Nos rostos lívidos, almas em paz em refeitas faces singelas de pessoas as quais amei durante minha vida inteira.


                              VI
Em tranquila e pacífica noite outonal encontro espíritos de luz, junto ao anjo que me conduz para a liberta plenitude espiritual. Livre, quero correr ao vento, soltar definitivamente a euforia contida, fazer a alma liberta voar em contentamento. Contemplar o firmamento em momento de divina sublimação. Em uma nova ação, num enfado despertar, surge na alma um pesar, ínfimas forças contraem os meus músculos, uma diminuta rebeldia se estabelece e o que vejo ao redor me deixa estarrecido, então como no corpo minha alma padece. Vultos, sombras e pessoas com rostos desfigurados ressurgem. O quarto aos poucos escurece. As velas dançam. Escuto ao longe meu nome em uníssono cantante de alento. Pessoas com rostos singelos aproximam-se, são anjos a me buscar em suplicas, preces e sussurros. Fecho os olhos e num sortilégio por eles me deixo levar.


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