MORIBUNDO - alucinações prévias
I
Em manhã insólita de
outono qualquer me encontro em prantos tantos. Véus negros e mantos serpenteiam canto a canto lúgubres. Vejo
vultos por todos os lados com seus rostos desfigurados. A chama da vela
dançante me traz alento. Sobrepujando o medo em grito agitado pergunto: “Quem
são essas pessoas?” Trôpego, fico calado, num arrepiar friorento, inerte, paralisado. Vozes em súplicas
sussurram meu nome. Aos poucos exaurido me deixo abater escutando ao longe as
rezas e as lamúrias.
Ii
Num meio-dia, num outono em lugar qualquer
de prantos tantos. Rostos tristes desfigurados e tristeza maior marcada no
olhar lívido e sereno de um velho gordo de rosto acanhado. De uma janela com
vidraça suja a luz do sol espia timidamente abraçando a pequena cruz acobreada
na parede. E por um momento surge um alento (na alma), que perdura pouco tempo
ao surgir de névoa negra em corpo que desfalece. Tombando em meio das súplicas,
das orações e dos sussurros.
III
Em tarde de outono
gélido de tantos prantos, estou com o rosto enterrado nas mãos evitando ver os
rostos desfigurados de estranhos que me cercam e ficam ao meu lado com olhares
chumbados atemorizantes. Quero sair e não consigo, estou paralisado. Procuro
avistar o velho gordo de rosto transtornado. Súbito, ele está ao meu lado com o
rosto feito de cera e quem eu vejo me emudece. Meu avô morto quarenta anos
atrás. Meu pensamento escurece. Atônito, cerro novamente meus olhos e começo a
rezar, suplicando em sussurros.
IV
Em entardecer de um
outono qualquer com os olhos fechados, ouço apenas o tic-tac do relógio de
parede da cozinha. Insisto em mantê-los fechados, não quero mais ver as pessoas
com seus rostos desfigurados, sequer quero olhar para o lado, já estou
alucinado. Estou com medo de ver meu avô a muito tempo sepultado. Nunca senti
desconforto igual, quero acordar deste pesadelo. Noto que agora ao meu lado
está uma menina sorridente, demais sorridente. Ironiza-me com seu olhar e o que
lhe é peculiar, seu rosto parece de cera. Retornam as rezas, as súplicas e os
sussurros. Em volta vultos em luzes de velas. Em sombrios murmúrios as preces
brandas continuam.
V
Em angustiante noite
de um outono qualquer, estou fraco e cansado, querendo fugir deste lugar onde
ninguém comigo fala. Olham-me com pesar, com lamento. Exaurido ergo-me e grito
fazendo do clamor um lamento. – “O que aqui está acontecendo? Não compreendo,
pareço morrer congelado.” Instante em que na sala de escassa claridade as
pessoas de rostos desfigurados devagar se afastam e aparece luz abundante
clara, alva e cristalina. Mão estendida divina se faz em figura transcendente
de anjo em plena serenidade. Em trocados passos transito, escutando
encantadoras preces. Nos rostos lívidos, almas em paz em refeitas faces
singelas de pessoas as quais amei durante minha vida inteira.
VI
Em tranquila e
pacífica noite outonal encontro espíritos de luz, junto ao anjo que me conduz
para a liberta plenitude espiritual. Livre, quero correr ao vento, soltar
definitivamente a euforia contida, fazer a alma liberta voar em contentamento.
Contemplar o firmamento em momento de divina sublimação. Em uma nova ação, num
enfado despertar, surge na alma um pesar, ínfimas forças contraem os meus
músculos, uma diminuta rebeldia se estabelece e o que vejo ao redor me deixa
estarrecido, então como no corpo minha alma padece. Vultos, sombras e pessoas
com rostos desfigurados ressurgem. O quarto aos poucos escurece. As velas
dançam. Escuto ao longe meu nome em uníssono cantante de alento. Pessoas com
rostos singelos aproximam-se, são anjos a me buscar em suplicas, preces e
sussurros. Fecho os olhos e num sortilégio por eles me deixo levar.
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